Os quartos das crianças

Apesar do seu semblante angelical, Eman teve de se refugiar no quarto muitas vezes. «Eu fazia muitas travessuras…», confessa. E recorda uma:

– Havia uma loja que vendia uns maravilhosos cupcakes de chocolate, mas nós não tínhamos dinheiro e o lojista era muito severo. Uma vez, um de nós ficou ao balcão a falar com ele, enquanto outro tirava os bolos, e fugimos de lá a correr. Fomos para um jardim que ficava perto da casa de um dos meus amigos, e comemos os bolos lá. Souberam-nos tão bem! Mas quando regressámos a casa, o lojista estava lá, a falar com os nossos pais…. Chorámos muito depois de termos apanhado, mas mais tarde sobrou a felicidade por termos conseguido comer aqueles deliciosos cupcakes! Fazíamos asneiras sem maldade, havia alegria nas brincadeiras, e essa alegria sobrepunha-se aos castigos ou às reprimendas. São memórias que adoro…

Uma casa lugar de família, conforto, alimento, educação, não foi vivida de forma semelhante entre os irmãos da família Fatima.

– Eu e a minha irmã Tahreem, as duas mais velhas, pudemos experienciar como era no início, a vida com a família junta na casa grande. Os meus irmãos mais novos não conheceram isso, e eles são bastante diferentes de nós, são mais reservados, gostam de fazer as coisas à sua maneira, não se ligam tanto a outras pessoas. Eu, por outro lado, sou muito ligada a toda a minha família, mesmo aos mais antigos, aos meus avós de ambos os lados. O facto de ter vivido no seio de uma grande família ensinou-me a saber lidar com eles, a saber estar com eles e a relacionar-me.

Eman e a irmã Tahreem

Na véspera de um casamento, as mulheres e as crianças decoram pratos com velas e flores, como forma de dar as boas-vindas à noiva.

– Conto aos meus irmãos mais novos como era bom viver com os primos, mas em contrapartida eles estão mais interessados em passar tempo no telemóvel, com os videojogos, e apenas com os colegas da escola, não com a família…. Comparamos as duas versões, mas eu não os critico, eles têm a sua razão, é normal que eles não consigam valorizar algo que não experienciaram, que não sentiram. A ligação que eles hoje criam com os amigos faz-se muito através das redes sociais. Mesmo após a mudança para Portugal, nas nossas novas relações com paquistaneses ou outros asiáticos que conhecemos aqui e com quem conseguimos comunicar mais facilmente, eu valorizo o contato direto, mas os meus irmãos não se interessam por estas relações, não querem falar, querem manter-se atrás do telemóvel. Eu não critico porque percebo que é o normal hoje em dia. Eu pude viver algo maravilhoso quando era pequena, mas eles não tiveram isso, então é normal que pensem diferente de mim, é estrutural.

Eman com os irmãos mais novos quando viviam na aldeia
Eman com os irmãos depois de se mudarem para a cidade