O apartamento

– Vivi em Jabbar com a minha família paterna até aos meus 14 anos.

E em plena adolescência, Eman cruza-se com um tempo de mudança.

– A família começou a dispersar, e também o meu pai decidiu imigrar para Londres, nessa altura de forma intermitente, dividindo o ano entre o estrangeiro e o Paquistão. Junto com a minha mãe e os meus irmãos mudámo-nos para a cidade, e fomos viver com a minha Nana, a minha avó materna. O meu pai enviava dinheiro todos os meses, e quando conseguimos uma maior estabilidade, mudámo-nos para um apartamento. Felizmente estávamos perto da família, ainda que vivêssemos em apartamentos separados, não numa casa partilhada como eu estava habituada. Mas visitávamo-nos muito. Eu habituei-me a visitar a família por gosto, e sem precisar da permissão da minha mãe. Isso é algo que eu tenho de muito diferente em relação aos meus irmãos mais novos…

Eman depois de se mudar para a cidade

– Um dos maiores contrastes que senti ao mudar para a cidade foi o barulho. Estava habituada ao ambiente silencioso da aldeia. Na cidade havia muita gente e pregões, trânsito e buzinas. Os condutores de autocarro gritavam nas paragens chamando as pessoas para entrar, anunciavam as viagens e enumerando os locais por onde o autocarro passaria até ao destino final. Nos mercados os vendedores apregoavam os seus produtos, e havia um bulício geral.

E a mudança então iniciada preparava-se para uma nova ocorrência, uma das grandes: 

– Os meus pais começaram a considerar a possibilidade de imigrarmos em família, e Portugal surgiu no horizonte. O meu pai viria primeiro, como se numa prova de reconhecimento, e se conseguisse reunir as condições para nós, então viríamos ter com ele. Ele chegou em 2018 a Almada. Foi uma fase difícil, entre a procura de casa, tentar a boa sorte em relação às pessoas com quem dividia a casa, a procura de trabalho, e tudo isto sem conhecer a língua…E foi igualmente difícil para nós, que somos uma família muito ligada, ficarmos no Paquistão sem ele. Passou um ano e ele conseguiu o seu cartão de residente, o que lhe permitiu viajar de regresso ao Paquistão sem fechar a porta atrás de si. “Portugal é um bom país para nós e para o futuro dos nossos filhos”, disse o meu pai nessa altura. “As escolas são boas, vocês podem estudar e seguir uma profissão de que gostem.”

Ao regressar a Portugal, o pai de Eman fez o pedido de visto para a restante família, dando início a um período de longos dias de espera.

– Entretanto eu estava no último ano do secundário, e o meu pai insistiu que deveria terminar. Perto do final do ano letivo os vistos foram aceites – nós ficámos tão contentes por conseguirmos aquela autorização para vir para junto do meu pai e virmos para um novo país! Primeiro fizemos segredo e não contámos logo à família nem aos amigos. Ao mesmo tempo eu estava em exames finais, foi uma fase de muito stress, entre a ansiedade da avaliação do último ano e a alegria da mudança. Essa alegria começou por pequenas coisas, como ver a minha mãe chegar depois das compras com sapatos e roupas novas para nós, panelas e outros utensílios. Porque o meu pai estava a partilhar casa com amigos, e com a nossa vinda para Portugal iríamos para um apartamento familiar. “Há cá de tudo, mas é mais caro do que no Paquistão, por isso mais vale trazerem.”

E no seu timbre juvenil Eman recorda:

– Fiz o meu último exame dois dias antes da viagem. Foi o tempo que eu tive para me focar na transição que estava a chegar. E foi só nessa altura que contei aos meus amigos, que dali a um par de dias me iria embora, e claro, ninguém queria acreditar. Mudei-me para Portugal tinha dezassete anos.