Dália Madeira

“Cresci na quinta do meu avô. Ele comercializava chá. O aroma do chá no ar e a companhia da minha irmã são boas memórias dessa infância feliz.”

Na altura Dália tinha uma amiga que fazia teatro e a quem ela acompanhava aos ensaios. Sentava-se na plateia e aprendia todas as deixas. Quando uma das meninas do elenco adoeceu com sarampo, Dália foi chamada para a substituir. Ficou radiante e correu a contar à mãe. “A minha mãe não sabia ler nem escrever, e disse-me «Não voltas lá! Não quero artistas cá em casa!» Dália tinha 10 anos e o seu maior sonho escapou-lhe da mão.

Os anos passaram e Dália casou aos 21 “para me libertar, para sair de casa.”

Foi viver para Setúbal.

“Eu era uma menina de pontinho branco, e custava-me ver as crianças descalças e com ranho no nariz.”

Depois de lhe acontecer “outra libertação, o 25 de Abril”, ficou responsável pelo Pelouro da infância na Comissão de Moradores, mais tarde na Câmara Municipal e esteve na gestão de vários infantários, já em Almada. “Sentia-me mãe e avó de todas aquelas crianças.”

Pôde finalmente reencontrar-se com o teatro na Universidade Sénior Dom Sancho I, e por acréscimo teve acesso a outras artes, que lhe enchem os dias.

“Sou alguém que sabe envelhecer. Falo com o espelho e digo-lhe «Ainda bem que tens rugas, elas são vida vivida.”

Cozinha – Com organização tenho tempo para tudo. Cozinhar é um dos trabalhos caseiros de que mais gosto e modificar receitas um dos meus hobbies – a partir de uma receita, acrescento-lhe ou retiro-lhe ingredientes. Provo, está bom, óptimo. Dou-lhe outro nome e passa a ser minha.
O farol – Lembra-me a minha mocidade. Tinha 15 anos quando vim morar para Almada e o nosso passeio habitual era ir até Cacilhas ver a outra banda. E lá estava o grande farol.
Daqui Lisboa é linda. Reparo que a minha imagem está reflectida no autocarro. Reflexo no espelho, nas águas do rio, ou até numa poça de água da chuva. Reflexo de uma vida.
Passado e presente – Este passado foi vivido em harmonia e amor com as crianças. No presente está o teatro, que sempre desejei desde pequena.
Eu e as minhas rugas, o meu cabelo branco. Quem me olha diz “uma senhora já velha”. Mas não. Toda eu sou jovialidade, sou força, sou alegria. Uma pessoa só é velha quando quer. Hoje há imensas coisas que se podem fazer sem se dar conta que os anos estão a passar.
Eu e a minha segunda casa. Casa essa que me dá alegria e muita vida. Aconselho a todas as pessoas idosas que venham experimentar esta vida maravilhosa que não nos deixa pensar em coisas tristes. Viver em alegria é o melhor que a vida tem.