Ângela nasceu em Cabo Verde, na Calheta, ilha de Santiago. Só entrou para a escola aos 7 anos – o pai considerava que ela era uma menina bacan, tímida e imatura, e que por isso a entrada na escola deveria ficar para mais tarde.
“Em Portugal, quando chegam as férias os pais fazem planos para um passeio em família por uma semana ou quinze dias. Em Cabo Verde ficávamos em casa para djuntaron, o trabalho à jeira, ou trabalho pago com trabalho.”
Aos 13 anos, pronta para começar a estudar no liceu, Ângela levou uma nega do pai, que se justificou: “És uma rapariga” e “É preciso carro para a viagem até ao liceu.” Valeu-lhe um tio que pagava um carro ao mês para que ela conseguisse ir à escola.
Estudar em casa não era fácil, “luz vai, luz vem”, mas Ângela estava encaminhada e cresceu com o desejo de fazer um curso superior em Portugal. Conseguiu vaga mas não tinha bolsa e o pai negou-lhe ajuda para os estudos. Nessa altura o irmão de Ângela disse-lhe que a ajudava “nem que eu fique apenas a pão e água com açúcar…”. Hoje ela está a viver na Quinta do Chegadinho, onde tem família, e a acabar o curso.
Esta é a casa onde eu vivo, e este o meu cantinho do sofá. O meu computador é uma das coisas que levo comigo para muitos lugares desde que comecei a fazer formação em Multimédia. À noite fico a conversar com pessoas nas redes sociais, seja amigos e família, seja a tratar de assuntos mais profissionais.
Este é o meu cabelo crespo – com o tempo descobri que o melhor é assumir aquilo que somos – esta sou eu, africana, e este é o meu cabelo que de certa forma representa uma parte daquilo que sou e de onde venho. Embora me sinta bem em Portugal e me dê bem com as pessoas com quem convivo, sinto que serei sempre uma Cabo-verdiana de espírito.
Como imigrantes, temos um parente que deixámos em Cabo Verde, uns que foram para França, outras para o Luxemburgo.
Aproveitando uma das vantagens que as novas tecnologias nos oferecem, no aniversário de uma das minhas sobrinhas que se encontra em França decidimos reunir: comprámos um bolo e fizemos um vídeo em direto a cantar-lhe os parabéns. É uma forma de ajudá-la a não sentir tanto a ausência dos parentes num dia tão especial.
A foto mostra também que é possível o processo de cruzamento das culturas diferentes, a minha cunhada é brasileira e a minha sobrinha já é resultado da mistura das duas culturas, Cabo-Verdiana e Brasileira.
Esta palavra poderá ser associada a tormento, angústia, sacrifício, felicidade e outras emoções. Muitos imigrantes Cabo-Verdianos em Portugal perdem laços com familiares deixados na terra natal por estarem à espera do documento – com ele poderiam viajar entre os dois países e livremente escolher ficar em Portugal, uma vez que é aqui que têm um trabalho para sustentar as suas famílias, um trabalho que “ao menos garanta uma residência na casinha branca”.
Vivo no Chegadinho desde 2009. O meu pai foi o primeiro a vir para cá e a ele juntou-se depois a minha mãe, os meus irmãos e eu. Como a maioria das famílias Cabo-Verdianas, também a minha é numerosa, eu tenho cinco irmãos e mais duas irmãs.
Aqui temos a Dona Maria, minha vizinha que mora na Rua do Meio. É uma mulher já com alguma idade. Ela tem uma horta onde cultiva couve, malagueta, cana-de-açúcar, milho, abóbora, batata, cebola, tomate, faz criação de galinhas – tudo para garantir um meio de subsistência. O marido não tem um trabalho e ainda não tem idade para se reformar. Para sobreviver ele recolhe ferro velho que vende para ganhar algum dinheiro, mais a esposa com as suas hortaliças, assim vão levando a vida.
Este é um lugar onde os rapazes do Bairro costumam estar, aqueles rapazes que começam cedo a entrar na dita má vida, alguns filhos de mães solteiras, mães que têm os dois papéis “mi ke mai ke pai” e não têm tempo para dar a atenção necessária ao crescimento e comportamento dos seus filhos.
A vida no Chegadinho tem várias faces: há pessoas honestas e trabalhadoras que se esforçam todos os dias para obter uma vida digna, e outras pessoas que vivem de maneira meio torta – mas isto existe em todo lado. Um dos meus irmãos já disse à minha irmã que ela devia procurar uma outra casa porque o Chegadinho não é lugar para morar, achei estúpido.
Chegadinho é o local onde os taxistas não querem fazer serviços à noite, o que significa que a população é discriminada e que as pessoas que aqui vivem são entendidas como sendo todas iguais.
Aqui estão os meus colegas e amigos que um dia tive que deixar para trás ao emigrar para Portugal. Esta é a casa ao lado da Mary, uma senhora muito simpática que um dia nos emprestou a sua casa com tudo o que tinha dentro. A casa fica na famosa Rua Banana, na Cidade Velha, outrora conhecida por “Ribeira Grande”, e que seria a primeira capital do arquipélago até 1769. Primeira cidade construída pelos portugueses na África subsariana e sede da primeira diocese da costa ocidental africana. Por esta rua passaram alguns senhores como Vasco da Gama em 1497, e Cristóvão Colombo em 1498.
Daqui tenho memória de tudo o que fizemos e passámos juntos.