António Venâncio começou a aprender o seu ofício aos quinze anos nas alfaiatarias da baixa lisboeta. Mudava de patrão pela curiosidade de saber como era o trabalho de diferentes pessoas e lojas. Trabalhava durante o dia, e em pós-laboral ia à escola, a academia de corte da capital. Atendeu grandes políticos, doutores, engenheiros, pessoas das artes, jogadores das grandes equipas de futebol, entre muitos outros. “Havia muita vaidade em vestir bem”, resume ele. Em 1972, ainda a trabalhar em Lisboa, estabelece-se em Almada, tinha na altura entre 18 e 20 empregados. A Lisnave dava trabalho a milhares de pessoas e tal significava muita gente para vestir – venderam-se muitas calças de ganga nessa altura. Depois do 25 de Abril os ordenados aumentaram e muitos eram os que faziam questão em juntar algum dinheiro para fazer um fato, pelo gosto de vestir bem e dar nas vistas. “Vamos fazer fato ao Venâncio!” – diziam eles. Os dias de trabalho estendiam-se serão adentro.
Na altura as costureiras de alfaiate sabiam fazer um fato do princípio ao fim: depois de tiradas as medidas ao cliente, com o giz de alfaiate em punho elas riscavam o tecido marcando-o, em paralelo com o alfaiate que usava o esquadro, esticando a fazenda nas mesas amplas. Ao corte e alinhavo sucedia-se o trabalho do ferro, abrindo as costuras. “O ferro é o grande mestre”, comenta Venâncio. E para que surtisse efeito tinha de se dar calor ao ferro a carvão. O cliente ia provar ainda alinhavado para correções. Depois destas fazia-se
ainda uma terceira prova com o fato praticamente finalizado, dando lugar aos acabamentos, última passagem a ferro, e o fato era finalmente entregue ao cliente. Levava consigo peças únicas, exclusivas, à medida do seu corpo singular.
Desde pequeno que o filho Ricardo mostrou gosto em andar pela loja, e começou a cuidar da caixa. Atualmente acompanha o pai na manutenção das lojas em Almada. Os tempos mudaram muito, transformando a vida das pessoas. Os fatos por medida saem pouco, passou a vender-se principalmente pronto-a-vestir de marca, fazendo as correções necessárias no momento da prova.
Venâncio adapta-se aos tempos, mas a memória e a mão trabalhada não esquecem a mestria.
