– Chamo-me Eman Fatima e nasci em 2003.
Eman tem um tom de voz suave e uma expressão meiga. Brilham-lhe os olhos escuros e os dedos entrelaçam-se enquanto conta a sua história num inglês saltitado, imprimindo um ritmo imprevisível nas palavras.
– Os meus pais tiveram cinco filhos, eu sou a mais velha; segue-se a minha irmã Tahreem, dois anos mais nova do que eu; depois a irmã Abiha tem 11 anos; a minha irmã Mubarrik tem agora 8 anos, e finalmente o mais novo, Jarrar, o único rapaz, com 6 anos.
– A minha família pertence à casta Syed, pelo que todos os elementos da família utilizam o nome “Syed” antes do nome próprio. Cada família utiliza um nome específico, é como uma tribo a que pertencemos, e está igualmente relacionado com a nossa religião. “Syed” significa “líder”. É uma casta muito particular e historicamente importante. A maioria dos nossos vizinhos usava o nome “Raja”.
– Durante a minha infância vivi com a minha família paterna numa grande casa, éramos dezasseis pessoas. A minha família nuclear, os meus avós, o meu tio com a mulher e os filhos, a minha tia cujo marido trabalhava no estrangeiro, mais quatro ou cinco primos. Eu gostava muito disso que tínhamos. Partilhávamos tudo e era divertido. Claro que também havia dificuldades, e às vezes problemas entre nós… Mas quando se vive sozinho, não se tem ajuda. Na minha família prevalecia a possibilidade de podermos contar sempre uns com os outros. – frisa Eman.
E a casa de família tem, naturalmente, um papel central na história.
– Era uma casa tradicional, antiga, num ambiente rural, havia plantas e árvores no jardim, onde costumávamos brincar. Apesar de sermos crianças, nós criávamos a maioria das coisas com que nos entretínhamos, como os baloiços, feitos de madeira e presos às árvores com corda. Também estávamos habituados aos animais – numa propriedade separada da casa criávamos ovelhas e cabras que tinham um cuidador habitual, mas eu estava acostumada a levá-los a pastar ou a brincar com eles. – lembra Eman.
Perto de casa, a família tinha terras pertencentes ao avô paterno: os terrenos eram arrendados para lojas, para uma mesquita e para um abrigo, onde os peregrinos podiam ficar, e onde, duas vezes por semana, a família de Eman disponibiliza comida a quem precisasse. Nas proximidades, situava-se um mausoléu, Sain Mirchu, a que acorriam peregrinos ou pessoas espiritualmente ligadas àquele lugar, tanto para fazer as suas orações ou de visita.
Os lugares que Eman habitava diariamente são agora imagens que ela guarda com exatidão, são cheiros que parecem vivos à distância, são sensações que, mesmo que indiscritíveis, a memória sabe como proteger.
– Na aldeia os caminhos eram de terra, e depois de chover o chão ensopava e tornava-se lama. Nós brincávamos muito no exterior, e com aquela lama barrenta fazíamos panelas, pratos, colheres, que destruíamos no fim, era uma brincadeira, os adultos não nos deixavam levar aquilo para casa. Aquela lama tinha um cheiro de que eu me lembro bem e de que gostava muito. Depois de chover, ficava a pairar aquele odor, misturado com o perfume das flores…. Levávamos umas palmadas quando aparecíamos todos sujos…. Também andávamos à fruta. Havia três mangueiras perto de nossa casa, em quintais dos vizinhos, e eu e os meus primos atirávamos pedras para as fazer cair e depois as irmos apanhar…. Lembro-me do sabor das mangas, principalmente das que estavam ainda um pouco verdes, eram pequenas e amargas. Temperávamo-las com um pouco de sal antes de as comer.