Em correio registado

Eman apresenta a vizinhança:

– A proximidade de uma comunidade muçulmana e asiática facilita, é mais simples fazer amigos e ajudarmo-nos uns aos outros, pois há aqui pessoas que estão em Portugal já há muito tempo, ou são portugueses muçulmanos. Estamos juntos nas festas religiosas e temos a medina como lugar de encontro. Também temos amigos não muçulmanos, mas com quem partilhamos a língua, por exemplo, indianos com quem falamos hindi. Entre a família comunicamos em urdu, mas já tentamos trazer a língua portuguesa para casa.

A cozinha continua a ser um lugar central em casa:

– A minha mãe pediu-me: compra pão, ovos, iogurte, chá, café, queijo, óleo, que eu consigo comprar nos supermercados portugueses. Às lojas asiáticas vou buscar principalmente especiarias. E a carne compramos nos talhos halal. No Laranjeiro e Miratejo conseguimos encontrar tudo facilmente.

– A minha mãe cozinha as refeições a que estávamos acostumados no Paquistão, mas introduz igualmente pratos, digamos, mais europeus, ainda que possivelmente mais condimentados, seja no molho para o esparguete, ou no sabor do arroz…Penso que acima de tudo cozinhamos com mais especiarias e mais óleo. Nós fritamos muito, e normalmente misturamos tudo, não cozinhamos os elementos em separado como é hábito aqui. Um dos meus pratos favoritos é Biryani, que junta arroz com frango e muitas especiarias. Ou Karahi, um prato de frango picante.

Há tradições que a família de Eman não põe em causa, e semanalmente recuperam o conforto que isso lhes dá:

– Na nossa religião a sexta-feira é como um feriado, é um dia especial e abençoado. Devemos tomar especial atenção à higiene, vestir roupa lavada. Os homens devem ir à mesquita – na mesquita do Laranjeiro a celebração é às 14h00. As mulheres também podem ir, mas normalmente não o fazem, rezam em casa, e tomam conta dos preparativos. Nesse dia é comum prepararmos um jantar mais cuidado e a família reúne-se. Lá em casa, à sexta-feira a minha mãe costuma cozinhar o prato favorito de um de nós, é à vez – conta Eman com um sorriso.

Como habitualmente, a alimentação é convidada de honra nos festejos.

– Temos uma outra tradição que realizamos quinta-feira à noite. É o momento especial de rezar pelos nossos antepassados, cujas almas acreditamos estão mais próximas nesse dia. Normalmente cozinhamos um prato doce e fazemos uma oração em família. Fazíamo-lo no Paquistão, e continuamos a fazer aqui. A presença de um prato doce ajuda à criação de uma ligação positiva com a memória dos que já morreram. Estas tradições deixam-me muito feliz, e quero no futuro continuar a praticá-las.

E em jeito de conclusão, com uma carta que é finalmente selada e colocada na boca do marco do correio, Eman estreita a linha que une o destinatário e o remetente:

– A casa grande em Jabbar está agora fechada, mas a família não a vendeu, é uma herança importante, é um lugar de encontro e de reuniões familiares. É uma casa antiga e está velhinha, mas é muito especial por tudo o que lá vivemos. E para nós que estamos longe, aquela casa representa uma ligação. Se um dia voltar ao Paquistão é para lá que vou.