PARTE 1 – Meia-dúzia de saudades
Flor de laranjeira
A saudade é um sentimento fácil de circundar uma viagem, ora crescendo com o passar do tempo, ora amenizando com o tempo que passa. As saudades mais demoradas dedicam-se muitas vezes às coisas simples que nos faziam os dias.
– Ao caminhar até ao nosso terreno agrícola percorria uma estrada ladeada de laranjeiras – lembra Rizwan. – Quando as flores de laranjeira abriam nos ramos soltavam um perfume tão bom que ficava a pairar no ar, chamando as abelhas que zumbiam fortemente à sua volta. A nossa terra é conhecida pela boa laranja. E quando o tempo estava mais frio, de manhã cedo, o orvalho brilhava sobre a fruta nas árvores, arrefecendo-as. Eu escolhia uma laranja desta árvore, outra daquela, abri-as e comia-as com um pouco de sal.
Rizwan nasceu e cresceu no Paquistão, na companhia dos pais, três irmãos e uma irmã, e da avó.
– Sempre fomos uma família muito unida, dos que cuidam uns dos outros. Vivíamos numa área rural, mas perto de todos os serviços, escolas, transportes, comércio, e um bom nível de educação geral. Era uma zona muito verde, toda ela plana, e a um par de quilómetros da nossa casa tínhamos um terreno agrícola de cultivo, animais e árvores de fruto.
Manga e limão, melão e melancia, eram os frutos de maior produção, mas que não conseguiam destronar a laranja.
– Também cultivávamos pimento, pepino, abóbora…E tínhamos alguns animais, vacas e búfalos, que nos davam leite fresco. Os meus pais tinham cerca de dez trabalhadores que diariamente realizavam as tarefas da quinta, desde a ordenha a manobrar as máquinas e o trator.
O início do dia
Quem tem terra para trabalhar não se quer demorado, e os dias começavam cedo. O azan recitado da mesquita encetava a manhã com a chamada para a oração prévia ao nascer do sol. E não tardava a que o aroma a manteiga se espalhasse pela casa.
– A minha mãe costumava fazer manteiga caseira, era um cheiro delicioso de manhã, a convidar para o pequeno-almoço – conta Rizwan. – Diariamente ela fazia chapati, o pão de formato fino e arredondado que acompanhava todas as nossas refeições, e a lassi. A lassi era a nossa bebida. A partir do leite ordenhado cedo na quinta, juntava iogurte ao leitelho na misturadora e um pouco de sal e de açúcar, nada mais. No Verão acrescentávamos gelo. Fazíamos uma grande quantidade para consumo da família ao longo do dia, bem como para dar às pessoas mais pobres. Quem não tinha animais de ordenha podia ter dificuldade em aceder a leite. Eles vinham a nossa casa de manhã cedo, e quando a minha mãe tinha a lassi pronta ela e a minha avó distribuíam-na pelos recipientes que as pessoas traziam. Era comum nos donos de gado, essa partilha de lassi. Foram bons tempos… Eu teria dez anos…. Tenho saudades daquela lassi…
Algodão
O Paquistão é um dos principais países produtores de algodão do mundo, o que se deve às suas planícies férteis e ao clima quente e húmido.
– Um bom trabalhador numa terra fértil tem apenas de comprar uma coisa: sal. Tudo o resto que importa nasce da terra – resume Rizwan.
A viver numa zona quente no centro do país, a família tinha uma área de cerca de seis hectares de algodão.
– Quando o algodão está aberto o campo fica todo branco. A minha avó chamava um grupo de mulheres para fazerem a apanha. Quando elas apresentavam os cestos cheios recebiam o pagamento e uma parcela do algodão para uso pessoal. A minha avó também ficava com uma parte, e o restante era vendido. Hoje em dia compra-se tudo feito nas lojas, mas a minha avó e outras especialistas da povoação sabiam trabalhar o algodão e fazer mantas manualmente…A minha avó era uma senhora muito trabalhadora e que sabia vários ofícios.
Mas sendo um país islâmico, é requerido às mulheres que se mantenham em casa, pelo que normalmente não trabalham nos campos, quando estes exigem a presença de trabalhadores de fora da família.
– As mulheres mais velhas podem fazê-lo, como a minha avó que ia para o campo de algodão. Mas as mulheres mais novas não. As nossas mulheres não devem sair a não ser que acompanhadas pelo marido, pelo pai ou pelo irmão. Devem ficar recolhidas e dedicar-se aos afazeres da casa. Se a família tiver um pequeno terreno, a mulher pode trabalhar nele, desde que não haja outros homens presentes. Os trabalhadores também não podem entrar em casa se as mulheres estiverem no interior – por exemplo, se o trabalhador tem algo para entregar deve tocar a campainha, a mulher deve recolher-se, e só depois o trabalhador pode fazer a entrega sem interferir na intimidade da mulher. As mulheres que trabalhavam no nosso campo de algodão eram mulheres pobres, que precisavam daquele rendimento para sobreviver.
Quando em criança, Rizwan gostava de passar na quinta depois da escola para ajudar a tratar dos animais e dos cultivos da época. A sua irmã, após sair da escola feminina, devia ir para casa.