Tia Amélia – Trafaria

Está disfarçada no meio das caixas de hortaliças e flores. Durante dezenas de anos a sua vida foi o trabalho na terra, muita lenha acartou, diz ela. Veio para Lisboa servir, eram ranchos de raparigas ao trabalho. Recebia 200 mil reis ao mês, tinha direito à alimentação, à cama e às batas do serviço. Esteve 50 anos a trabalhar na fábrica progresso mecânico, com

jornada de nove horas diárias a receber vinte escudos. Usava bilhete operário que custava sete tostões e permitia apanhar a carreira ida e volta do trabalho. O marido trabalhava na fábrica Nacional, e por consequência o casal viveu durante vinte anos na fábrica. Tia Amélia, como lhe chamam por ali, andou também a trabalhar a dias, e começou a vender fruta e hortaliça. No passado atravessava o rio para ir a Lisboa comprar a mercadoria, vinha carregada, com saca à cabeça e uma em cada mão, para vender em Almada. Diz que agora muita coisa se estraga. “Tenho aqui dez orquídeas, comprei-as a cinco euros cada uma. Ninguém mas comprou. São cinquenta euros para o lixo.” É a vida que se tem, diz ela. “Não sei para que escreve isto que digo, não vale nada…” É mulher de força e caráter, mesmo que por vezes não se lembre disso.

Tia-Amélia1a