Tomáz Zagalo e Melo

A casa-memória

A viagem até ao Solar dos Zagallos é um convite presente de retorno ao passado, a um lugar de recordações distantes e por vezes difusas. A memória preenche-se, como sempre faz, de grandes e pequenos momentos, de sonantes e discretos nomes.

“Pessoalmente não tive uma relação com o Solar dos Zagallos. Nem era este o nome que lhe dávamos, mas sim «Casa da Sobreda» ou «Quinta da Sobreda». O meu pai não queria cá vir, não queria ressuscitar memórias.”

Francisco de Paula Carneiro Zagallo e Melo, pai de Tomaz, nasceu em 1903. Recebeu o nome do seu bisavô que se encontra sepultado na Capela do Senhor dos Passos junto à alameda principal dos jardins do Solar. 
Francisco de Paula, de 1903, residia com os pais Rodrigo e Maria Luísa, e era o mais novo de quatro irmãos: a ele se seguia Maria Isabel, João Baptista, e o mais velho António Xavier. 

Francisco de Paula, pai de Tomaz – c. 1903


Para além do sustento na agricultura, a família produzia vinho que era vendido maioritariamente para as tabernas da Trafaria. O filho Francisco foi o elemento mais novo da última geração de Zagallos a viver no Solar. 

​Maria Isabel Serra Carneiro Zagallo e Melo, tia de Tomaz – Outubro 1912

Maria Isabel Serra Carneiro Zagallo e Melo correspondia-se com as amigas com regularidade. Guardava os postais junto de um caderno de capa dura onde ela e o irmão João escreviam poesia e pensamentos. A partir de 1915 a correspondência de Maria Isabel deixou de ser dirigida para a Sobreda passando a ser endereçada para a nova morada de Cacilhas. Em 1921 a “Quinta da Sobreda” é pertença oficial da família Piano.

Correspondência de Maria Isabel Serra Carneiro Zagallo e Melo – Outubro 1914

Francisco de Paula cresceu na casa de Cacilhas junto da sua família. Quando conheceu Guilhermina Maria dos Santos Zagallo uniram-se de tal maneira que o mundo à sua volta se tornou suplementar, bem como todos os que os rodeavam. Desse amor desmedido nasceu um único filho, Tomaz.

Tomaz Zagalo e Melo ao centro, junto da tia Maria Isabel, à esquerda da fotografia, e da mãe Guilhermina Maria dos Santos Zagallo e Melo – Cacilhas, década de 1940

“Para fazer o desmame a minha mãe mandou-me para junto da minha tia Maria Isabel e da minha avó, que viviam no andar de baixo. A partir de então passei a viver com elas. Já crescido, ia com frequência jantar ao andar de cima com os meus pais, mas mal acabava de comer pedia licença e saía.”

“A minha tia era uma mulher extraordinária e cuidadosa. Lembro-me de sair à noite para a Academia Almadense e para a Incrível – fui sócio de ambas até me casar – e no regresso ter à minha espera um copo de leite que ela me deixava junto ao candeeiro de azeite.”

​A Costa da Caparica foi destino de lazer desde a meninice de Tomaz.

Da esquerda para a direita: Guilhermina Maria dos Santos Zagallo e Melo, Herculana Zagallo e Melo, Tomaz Zagallo e Melo, António Xavier Carneiro Zagallo e Melo, tio de Tomaz – Costa da Caparica, finais década 1940, inícios da década de 1950

“Quando era mais novo lembro-me de ir para a Costa com a minha tia num carro vermelho descapotável de um primo, que nos ia buscar a Cacilhas. Também fizemos essa viagem muitas vezes de camioneta e sem que nos fosse exigido pagamento, porque o meu tio João Baptista Zagallo era o responsável pela Empresa de Camionetas Piedense que fazia a travessia e os condutores que nos conheciam não nos cobravam bilhete. O meu pai, que trabalhava num banco, fazia a contabilidade da Piedense. Lembro-me de o meu pai andar preocupado com um centavo… E também me lembro que ele e o meu tio João se chatearam, na altura das partilhas, por causa de um armário…”

Após o falecimento da avó a família dividiu-se. Alargou-se o espaço entre os elementos, afrouxaram-se as relações, as memórias sedimentaram sem conduto que as alimentasse.
Neste retorno a um lugar-memória Tomaz reconhece o papel fundamental do ambiente na formação de uma pessoa, “o contexto molda-nos muito”, assume. Neste retorno Tomaz re-conhece o lugar inicial da sua História e religa pontas soltas.

Imagens: Câmara Municipal de Almada/Museu da Cidade/Espólio Família Zagallo e Melo