Maria de Lurdes Seixas

A casa e o sonho

“O Palácio foi desde sempre um lugar muito presente para mim. Eu vivia do outro lado da Azinhaga e diariamente passava por aqui no percurso para a escola” – relembra Milu, nome pelo qual é habitualmente tratada.

A relação de mera vizinhança entre a família Seixas e a família Piano estreitou-se após o falecimento do pai de Milu.

“A minha mãe ficou de lutou profundo. Os Piano eram muito atentos ao que se passava ao redor e ao me saberem filha única, com 15 anos a viver severamente aquele luto, chamaram-me ao Solar.”

Capela Sto. António da Sobreda, integrada no edifício principal do Solar – Outubro 1966

À entrada do átrio à esquerda era uma sala de lazer – de dia ouvia-se música e bordavam-se os enxovais, à noite jogava-se à canastra. Seguia-se a habitação dos caseiros, e ao fundo chegou a ser a leitaria, que mais tarde passou para a zona agrícola, hoje Academia de Música.
No Verão, após o almoço, desfrutava-se da frescura do Pátio do Chá, junto à grande murta. À hora do lanche aproximavam-se dois empregados trazendo uma padiola – um grande tabuleiro retangular com dois varais paralelos e um sistema de suporte no chão. Abria-se a toalha e estava a mesa posta para o lanche, com as loiças e os talheres, os sumos e os bolos, a melancia e o melão.
Após o lanche jogava-se ténis num campo para o efeito, na zona superior à murta.
Pelas seis e meia a Emissora Nacional passava o programa “Música para Dançar”, o convite ideal para a juventude subir ao Ringue de Patinagem e improvisar um baile. Os pares estavam formados e havia aqueles que, discretamente, se afastavam para um passeio na Alameda ou para o Pátio da Estufa, onde as orquídeas e os inúmeros pássaros nas gaiolas do pátio apelavam à poesia.
Entretanto, na cozinha, já se iniciara o bulício dos preparativos para o jantar que, de Verão, se fazia na taberna, mais tarde apelidada por Casa do Plátano.
​​Quando o tempo arrefecia as refeições passavam a ser na sala de jantar.

“Toda a casa era habitada e vivida. A família não se fechava nela com as suas coisas, pelo contrário, abriam-na aos amigos e em parte também à vizinhança e ao povo.”

Quando de festas grandes se tratava, como o casamento de um filho, a casa fervilhava. Da cozinha saía a água quente para os banhos. Junto à azenha estavam os fogareiros acesos para fazer as brasas para os ferros de engomar e na casinha ao lado duas ou três senhoras passavam a roupa. A decoração da casa era cuidada e os enormes lustres dos salões abrilhantavam o espaço.

“D. Maria do Rosário tinha muito gosto.
Eu via a forma como ela orientava a casa e a sua organização interna.
As mesas postas com toalhas lindas e centros de mesa deslumbrantes.
A definição das ementas,
a confecção dos partos.
Nunca tinha visto nada assim antes.
​A sua presença estava em tudo isso.”

Com a chegada do Outono a família Piano fazia as malas e viajava para a casa de Cascais, ficando o Solar ao cuidado dos caseiros. Durante o período da guerra, António Piano deixava-lhes a incumbência de fazerem uma panela de sopa para dar a quem mais precisasse. Pessoas sós, viúvas com filhos, famílias numerosas acercavam-se com a sua panela e a caseira servia-os do panelão.
Na ausência dos Piano a Sobreda voltava a transformar-se, a silenciar, a sossegar, como se de uma ténue hibernação se tratasse.

Imagens: Maria de Lurdes Seixas, espólio particular